O vinho e a escrita criativa
experiência gastronômica - workshop gastroliterario
Ultimamente afigura que escrever sobre vinho está entrando numa monotonia e uma redundância tal que expertos literários e aqueles que tem verdadeiro consideração pelo vinho, a história e a cultura que lhe precede, estão vindo recuperar a sua essência.
Em Barcelona e Madrid já aparecem workshops de escrita criativa sobre vinho. Essas últimas quatro semanas de novembro participei num titulado Escritura Creativa de Vino, organizado pelo renomeado sommelier e bulliniano1 Ferran Centelles, e Ricardo Reis, editor e educador de literatura, além do mais, num cenário muito inspirador, o agradável bar de vinhos Queviures Serra!
Consistia em fugir da maneira técnica de falar e escrever sobre vinho, atualmente difundida e arraigada, e aprender a usar as palavras para conectar pessoas e vinho, desde a emoção e experiências pessoais. Algo assim como ‘de dentro para fora’, onde cada palavra possa deixar espaço para que a pessoa apreciadora de vinho possa expressar as suas vivências pessoais e sensações.
O interessante dessa atividade é que ao final cada participantes foi encontrando a sua maneira de escrever: textos mais curtos, mais longos, alguns textos mais objetivos, outros mais complexos, mas todos bem recebidos pelas pessoas coautoras que fazíamos parte do workshop. E provavelmente, esses textos, cada um no seu estilo, pequeno conto, poema curto, reflexão, narrativa autobiográfica, encontrariam a uma pessoa leitora e apreciadora de vinho que daria o seu devido valor, dependendo do formato e plataforma mais apropriada.
“Alguns vinhos se bebem rápido, outros não te deixam, requerem o seu tempo” _belén
Algumas anotações que fiz sobre o que devemos considerar quando vamos escrever sobre um vinho:
O texto deve ser evocador e agradável, com olhar acurado.
Deve refletir emoções codificados expressadas com adjetivos.
Excesso de adjetivos, às vezes, pode ser preguiça de parar e dedicar tempo e pensar num único adjetivo que reúna todos os outros.
Usar metáforas e adjetivos que nos levem ao objetivo.
Evocar o interesse desde a memória, lembrar do vinho: como, com quem e onde.
Que as palavras dêem espaço para que o leitor resgate as suas lembranças.
Ritmo, relacionar com o momento que se toma o vinho.
Escrever sobre a origem do vinho, sensações e historias, antes de expor a parte técnica.
Lembrar que o vinho é uma companhia em si mesmo.
“…Te deixará olhando a paisagem“ _ricardo rei




Os três vinhos2 que catamos durante as atividades. A continuação, o texto original, o vinho e a tradução do texto ao português:
Una profunditat envaeix el nas, tanquem els ulls i la intensitat de l’aroma ens endinsa a la foscor i a l’aïllament, en un laberíntic camí. El seu color i la seva estructura ferma, evoquen el recolliment d’una freda tarda a finals de la tardor, i testimonia el seu temps de guarda. Les seves olors madures preludi de delicadesa i el gust equilibrat en la seva essència, ens il·lumina i reconforta com l’arribada d’una persona estimada…
- No arribes pas tard, t’estava esperant!
Uma profundeza nos invade, fechamos os olhos e a intensidade do aroma nos leva ao negrume e à solidão, num caminho labiríntico. A sua cor e a sua natureza firme evocam a lembrança de uma tarde fria de final de outono e testemunham a sua longevidade. Os seus aromas maduros são um prelúdio de delicadeza e o sabor equilibrado na sua essência, nos alumia e reconforta como a chegada de uma pessoa estimada...
“Você não chega tarde, estava te esperando…”
Allà lluny el mar en calma com feia dies que no el veia… M'emporta a prop teu, allà a la sorra, homenatjant aquell sol tan daurat i aquella calor ja tan impròpia per finals de l’estiu. Saciant la set del cos i de l’ànima amb aquest vi, tan revelador i profund, com la solitud d’aquesta travessia i el pes de pensar que potser ja no et veuré mai més.
Lienzo, Virgen de las Viñas (Vinos Tomillar), Vino de la Mancha
Lá longe, o mar em calma como fazia tempo que não o via... Me leva para perto de você, lá na areia, homenageando aquele sol dourado e aquele calor já descabido do final do verão. Abrevar a sede do corpo e da alma com este vinho, tão revelador e profundo, como a solitude desta viagem e a agonia de pensar que talvez em tempo algum volte a te contemplar.
No, no tan ràpid, ni tan lluny ni tan absent… Tenir-te a tu és la bellesa perfecta de viure aquest instant. Trio la intensitat de la teva presència, de quan m’expliques la teva història de com vas arribar aquí, amb l’elegància de la teva constància… Agraeixo beure el futur amb tu, sol tu… amb la gent que estimo, amb les estrelles…
Bellesa Perfecta, Les Vinyes Forer Massard (DOQ Priorat)
Não, não tão rápido, nem tão longe, nem tão ausente... Ter você é a beleza perfeita de viver esse momento. Escolho a impetuosidade da tua presença, desde quando você me conta a história de como chegou até aqui, com a elegância do teu afinco... Agradeço beber o futuro com você, só você... com as pessoas que amo, com as estrelas…
saber+
Sobre as Denominações de Origem do Vinho
Livros escritos por Ferran Centelles, La Botella 18; Las 100,75 preguntas que siempre quiso hacer sobre el vino; ¿Qué vino con este pato?

Bulliniano, assim se nomeiam os grandes profissionais que trabalharam e fizeram parte da grande família do El Bulli (1962-2011), o restaurante de Ferran Adrià.
O quarto vinho que aparece, o Vi Fumat, da vinícola Arché Pagès (cellerarchepages.com), DO Empordà, tem uma linda história; o compartimos e ficamos maravilhados pela sua originalidade, mas não foi usado para a atividade. É um vinho elaborado com uvas de umas vinhedos que serviram de corta-fogo durante um incêndio na região do Empordà, Catalunha. A vinícola já tinha decidido se desfazer dele porque ao provar uma das garrafas, em aroma e sabor, tinha muita presença de queimado e não impressionava muito, até que chamaram a Pitu Roca, o sommelier do restaurante Can Roca, e quando catou o vinho, o salvou das cinzas, quase que literalmente e levou todo o estoque que tinha para o restaurante. Desde então todas as maridagens que se fizeram foram uma revelação e o vinho é considerado um unicórnio pela sua rareza e singularidade.